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Impotência

Foi na última chuvarada do ano, e a noite era preta. O homem só estava em casa; chegara tarde, exausto e molhado, depois de uma viagem de ônibus mortificante, e comera, sem prazer, uma comida fria. Vestiu o pijama e ligou o rádio, mas o rádio estava ruim, roncando e estalando. “Há dois meses estou querendo mandar consertar esse rádio”, pensou com tédio. E pensou ainda que há muitos meses, há muitos anos, estava com muita coisa para consertar desde os dentes até a torneira da cozinha, desde seu horário no serviço até aquele caso sentimental em Botafogo. E quando começou a dormir e ouviu que batiam na porta, acordou assustado, achando que era o dentista, o homem do rádio, o caixa da firma, o irmão de Honorina ou um vago fiscal geral dos problemas da vida que lhe vinha tomar contas.

A princípio não reconheceu a negra velha Joaquina Maria, miúda, molhada, os braços magros luzindo, a cara aflita. Ela dizia coisas que ele não entendia; mandou que entrasse. Há dois meses a velha lavava sua roupa, e tudo o que sabia a seu respeito é que morava em algum barraco, em um morro perto da Lagoa, e era doente. Sua história foi saindo aos poucos. O temporal derrubara o barraco, e seu netinho, de oito anos, estava sob os escombros. Precisava de ajuda imediata, se lembrara dele.

– O menino está... morto?

Ouviu a resposta afirmativa com o suspiro de alívio. O que ela queria é que ele telefonasse para a polícia, chamasse ambulância ou rabecão, desse um jeito para o menino não passar a noite entre os escombros, na enxurrada, ou arranjasse um automóvel e alguém para retirar o corpinho. Quis telefonar, mas o telefone não dava sinal; enguiçara. E quando meteu uma capa de gabardine e um chapéu e desceu a escada, viu que tudo enguiçara, os bondes, os ônibus, a cidade, todo esse conjunto de ferro, asfalto, fios e pedras que faz uma cidade, tudo estava paralisado, como um grande monstro débil. [...]

(Rubem Braga – 50 crônicas escolhidas.3. ed. Rio de Janeiro: BestBolso.2011. Fragmento.)


O título do texto, após a leitura do trecho transcrito, traduz

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Acerca do questionamento feito no título do texto pode-se afirmar que
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“O acidente do outro nos toca e faria sentir nossa impotência (I), talvez nossa covardia, se não o socorrêssemos (II). Ou então traz consigo mesmo uma diminuição de nossa honra perante os outros ou diante de nós (III) mesmos. Ou ainda vemos nos acidentes e no sofrimento dos outros um aviso do perigo que também (IV) nos espia; mesmo que fosse como simples indício (V) da incerteza e da fragilidade humanas [...]” No trecho selecionado anteriormente, foram destacadas as palavras em que o emprego da acentuação gráfica é demonstrado. Acerca de tal emprego pode-se afirmar que
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Tendo em vista os mecanismos de coesão sequencial, utilizados na construção da articulação entre as partes do texto e para estabelecer relações entre as informações, indique, a seguir, o exemplo em que apenas tal mecanismo pode ser identificado através do termo destacado.
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De acordo com o contexto, o termo grifado que poderia ser substituído sem prejuízo semântico pelo termo sugerido está indicado em: