A legião on-line 
Um dos temas de “O Romance Luminoso”, a obra póstuma e incrivelmente contemporânea de Mario Levrero, é o uso da internet como antidepressivo. Sem alcançar a tal experiência luminosa que lhe permitiria escrever um romance iniciado há 15 anos, o autor passa os dias em frente ao computador curtindo o fracasso. Baixa e elabora programas, joga paciência, busca sites ao acaso. Nas raras vezes em que desgruda da tela, recorre a outro vício: a televisão. 
   É um transtorno cada vez mais comum. Todo mundo conhece alguém que está sempre conectado; acorda e já olha o celular, o qual dormiu ao lado dele na cama; checa os aplicativos de cinco em cinco minutos; quando não está on-line, sente ansiedade, mau humor, angústia, tristeza. Os viciados em smartphones são uma legião.
   Publicado em 2005, o livro de Levrero destaca-se não só pela atualidade mas também pelo caráter profético. A páginas tantas, o autor anota: “O mundo do computador já foi invadido pelos abjetos*, e quanto mais barato fica mais cresce a abjeção. Não porque os pobres sejam necessariamente abjetos,  e sim porque as pessoas mais vivas usarão as maravilhas tecnológicas para embrutecer mais ainda os pobres”. 
   E conclui: “A internet tem mostrado, cada vez mais claramente, para que nasceu, e, com vistas a esse objetivo, será controlada por comerciantes e estadistas”. Isso nos leva,  naturalmente, a pensar na relação das redes sociais com a empresa de dados políticos ligada à campanha presidencial de Donald Trump. Ou, em outro caso, sendo obrigadas a excluir contas por suspeita de fraude. 
   Esse cenário de disseminação de informações questionáveis – com o fim de manipular condutas –, mas que em geral têm aceitação, aprofunda mais ainda a abjeção diagnosticada por Levrero. 
   Que tal passar mais tempo off-line? 
      (Alvaro Costa e Silva. Folha de S.Paulo,11.08.2018. Adaptado) 
*Abjeto: de abjeção → ato, estado ou condição que revela alto grau de torpeza, degradação.