O que o desgraçou por toda a vida foi a felicidade que o acompanhou durante um mês ou dois. Coisa estranha: sem nenhuma preparação, um tipo se aventura, anda para bem dizer de olhos fechados, comete erros, entra nas casas sem examinar os arredores, pisa como se estivesse na rua – e tudo corre bem. Pisa como se estivesse na rua. É aí que principia a dificuldade. Convém saber mexer-se rapidamente e sem rumor, como um gato: o corpo não pesa, ondula, parece querer voar, mal se firma nas pernas, que adquirem elasticidade de borracha. Se não fosse assim, as juntas estalariam a cada instante, o homem gastaria uma eternidade para deslocar-se, o trabalho se to impossível.
No começo usam sapatos de corda – e ninguém desconfia delas: conseguem não dar nas vistas, porque são como toda a gente. Nenhum polícia iria acompanhá-las. Se não batessem nos móveis e não dirigissem a luz para os olhos das pessoas adormecidas, não cairiam na prisão, onde ganham os modos necessários ao ofício. Aí apuram o ouvido e habituam deslizar.
RAMOS, Graciliano. Insônia.18. ed. São Paulo: Record,1982.
Da narrativa, é correto afirmar que