Nas garras do meu primeiro amor
   Cíntia era minha prima – filha do irmão de mamãe, que morava no Rio. Viera passar uns dias conosco. Era a primeira vez que eu tomava conhecimento da sua existência. Devia andar pelos dezessete, dezoito anos, o que queria dizer que era para mim uma mulher feita – e a mais bela que eu jamais vira de perto. Usava blusa sem manga e com decote, saia-calça, tinha os cabelos louros,  os olhos verdes e ainda por cima fumava.
   Mamãe se escandalizou ao vê-la tirar calmamente da bolsa um cigarro na vista de todos e acender, para depois cruzar as pernas e soltar devagarinho a fumaça pelas narinas:
   – Você fumando, menina? Seu pai sabe disso? 
   – Ora, titia, que é que tem de mais? 
   – Uma moça direita não fuma. 
   – Hoje em dia toda mulher fuma. Não é mais pecado. 
   E ela desviou da testa uma madeixa de cabelos, movimentando a cabeça para o lado num gesto que me pareceu simplesmente lindo. 
   A sua presença fez com que nossa casa ganhasse uma aura de encanto, como um lugar privilegiado, de um fascínio que parecia impregnar o próprio ar que eu respirava. Quando ela surgia na sala, tudo se iluminava. Eu voltava correndo da escola para não perder um minuto da sua presença, e não arredava pé de casa, nem mesmo para ir ao quintal, meu reino esquecido.
   Mamãe estranhava aquela mudança nos meus hábitos: 
   – Não sei o que deu nesse menino. 
   Nem eu mesmo sabia que estava experimentando pela primeira vez a sensação inebriante de uma paixão. 
 (SABINO, Fernando. O menino no espelho. Rio de Janeiro, Record,1982. p.162-3.)