O primeiro aspecto em que se concebe um texto é  exatamente aquilo que parece significar à primeira vista, nada  mais que sua impressão primeira. Por primeira que é, tem foros  de ser a única; inscreve-se como tal, produz a ilusão de ser única.  Mas não o é. Sua pretensa clareza é ilusória. O segundo aspecto  em que se concebe um texto é o das possibilidades de sentido que  faculta, desde sua criação, desde a constituição de sua  expressividade. Sua presença de texto, não obstante ser sempre a  mesma, faz-se diferente a cada novo enfoque, a cada novo uso, a  cada mudança de perspectiva, a cada reiteração de sentido, a cada  fusão de práticas de sentido, enfim, dentro de  circunstancialidades. Essa é a abertura de profundidade que  exsurge do remanso abissal das malhas de um texto. O que paira  sobre o texto não pode ser mais que o que se inclui em sua  profundidade.
    Deve-se esclarecer, no entanto, que a chave para a  abertura dessa perspectiva de profundidade reside não no  texto-em-si, e por si, mas na potencialidade interpretativa e no  manejo que cada utente faz do texto. Aqui, faz-se,  explicitamente, apelo a uma noção de sentido pragmático,  contextualizado, histórico e intersubjetivo do texto. Quer-se  mesmo dizer que o texto vive em dialética com seu meio.  A pragmática textual simplesmente se depara com o texto  tendo-o por unidade de sentido, de onde o sujeito-da-interpretação retirará elementos de muitas origens  (circunstanciais, históricos, objetivos, subjetivos, idioletais etc.)  para a composição do sentido. O texto, portanto, não pode ser  entendido como objeto inerte, estanque, acabado e  primigenamente intencionado de maneira a ingenuamente excluir  qualquer possibilidade de modificação interpretativa. Todo texto,  nessa medida, permite sentidos. O sentido não lhe é imanente; no  entanto, excluir da corporeidade de um texto a subjacência  necessária da interpretação é privar-lhe de alma e de movimento.
    Ainda assim, quando aqui se anuncia que o  sujeito-da-interpretação é capaz de forjar-lhe um sentido, não se  quer dizer que a prática da significação está submissa à  arbitrariedade. Muito antes de se poder dizer que o ato  compreensivo se constitui em mero ato arbitrário do intérprete,  pode-se dizer que limites há para a significância, dentro dos quais  atua o sujeito-da-interpretação. Em verdade, esse sujeito age  livremente, mas dentro de um campo de forças. Dizer o contrário  é aceitar que o discurso é uma realidade sem fronteiras.
 Eduardo C. B Bittar. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva,2001, p.101 e ss. (com adaptações).