Leia o texto a seguir para responder a questão
Bula do egoísmo gripal (1991)
Como se não bastassem as aflições que povoam a nossa rotina, anda aí agora, insidioso, o tal vibrião colérico. Cólera sugere datas do século 19. Já vai para quase dois anos que soou o alarme lá em cima na fronteira. Foi um corre-corre danado. Tudo fogo de palha. Agora recomeça o susto. Desembarcou no Rio um soldado colérico. Em São Paulo, uma freira pode estar com cólera.
O pior é que continuamos sitiados por toda sorte de mazelas. O Brasil é recordista mundial de chagásicos: cinco milhões. Leprosos? 500 mil, depois que a lepra foi praticamente extinta em todo o mundo. Doenças tropicais, como leishmaniose, se alastram por aí como chuchu.
Aqui no Rio nos ameaçam com a dengue hemorrágica. Só falta voltar a febre amarela, que era chamada de patriótica. Matava de preferência estrangeiros. Houve um surto que durou 50 anos. Chegou até o nosso século 20, mas Oswaldo Cruz liquidou com o flagelo. Isto num Brasil com muito menos recursos e quase sem comunicação. Quando eu nasci, Miguel Pereira já tinha morrido. Vivíssima, porém, estava a sua frase: “O Brasil é um vasto hospital”. Apenas seis palavras. Mas que força, que gênio – e que originalidade!
Uma vez caí na besteira de ler um trabalho sobre o bócio. Perdi o sono só de pensar. Se dormia, era um pesadelo na certa. Por mais que o brasileiro seja um coração compassivo e solidário, é difícil abrir espaço para tantas epidemias e tantos doentes. Hoje, por exemplo, só há lugar em mim para a gripe que obtura a minha sensibilidade. Doem-me todas as esquinas do meu ser. Enquanto não me livrar desta peste, não dou bola para o vasto hospital. Gripe é uma doencinha muito egoísta. Ainda mais no calor!
(Otto Lara Resende. Disponível em https://cronicabrasileira.org.br/ cronicas/6157/bula-do-egoismo-gripal. Acesso em 28.05.2025. Adaptado)
Com base na leitura, é possível inferir que, no Brasil da época em que a crônica foi publicada,