O TEXTO I A SEGUIR SERVIRÁ DE BASE PARA A RESOLUÇÃO DA QUESTÃO
CENSURA É LIBERDADE
Ilustração: Shutterstock
Os que dizem combater a desinformação alegam que é para proteger direitos fundamentais. Ora, um dos direitos mais fundamentais é a liberdade de expressão
por Alexandre Garcia
No julgamento sobre censura na internet, o ministro do Supremo André Mendonça, num voto que precisou de dois dias para ser lido, pronunciou uma aula magna sobre liberdade, ordem institucional e democracia. Escolheram para retomar o julgamento de recursos contra o artigo 19 do Marco Civil da Internet o dia 4 de junho. Há 36 anos, num 4 de junho, na Praça da Paz Celestial, o Exército Chinês massacrava o povo que queria liberdade de expressão. Na sessão do Supremo do dia 4 de junho, o ministro Barroso citou a comunista alemã Rosa Luxemburgo: “Liberdade é sempre a de quem pensa diferente”. Aqui, os que pensam diferente têm que ser presos.
Nossa Constituição considera a liberdade de expressão cláusula pétrea, ou seja, nem o Congresso pode modificar o artigo 5º. “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Não diz “salvo se”, que tampouco está no artigo 53, o qual garante a inviolabilidade de deputados e senadores por quaisquer palavras.
A censura é o objetivo de todos os totalitários. Primeiro, censuram as palavras; a consequência é censurar o pensamento; e a liberdade, então, estará censurada. Tudo fica relativo, como na “democracia relativa” da Venezuela bolivariana. Vale qualquer pretexto, como faziam os tribunais na Alemanha de Hitler e na União Soviética de Stalin, onde as pessoas já estavam condenadas antes dos julgamentos, que só serviam como ritual, na tentativa de mostrar que um processo kafkiano é um processo justo. O terrível, numa situação assim, é o silêncio dos censuráveis, os quais agem como ovelhas indo passivamente para a tosquia. A lã das ovelhas estará crescida no ano seguinte, mas a liberdade perdida só renascerá se os servos aprenderem a agir como cidadãos.
O totalitarismo aboliu a liberdade de pensamento em um grau jamais visto. Ele não apenas proíbe que você se expresse, mas dita o que você deve pensar, cria uma ideologia para impor a você, tenta governar sua vida emocional, além de estabelecer um código de conduta. Na medida do possível, ele isola você do mundo, o fecha em um universo artificial em que você não tem padrões de comparação. Na verdade, esse período anterior deveria vir entre aspas, mas eu queria que você, leitor, fosse livre para pensar que essa seria uma conclusão minha, sobre a atualidade brasileira. Na verdade, isso foi dito na BBC, em Londres, por George Orwell, em 1941! Imagino que ele se referia à Europa com Stalin, Hitler e Mussolini. Quanta semelhança com o mundo woke de hoje e com nosso Brasil...
São tempos em que o Supremo decide modificar uma lei que foi discutida pelo Congresso com a nação por três anos. A Lei nº 12.965 foi sancionada por Dilma em 2014. Depois de dez anos em vigor, surgiu, em véspera de ano eleitoral, o desejo de obrigar as plataformas a irem além das regras já existentes, que evitam pornografia, pedofilia, imagens obscenas. Mas insistem que é preciso combater a desinformação. Ora, combate-se a desinformação não dando audiência ao desinformador, assim como ao odiento – ademais rotular de desinformação é muito subjetivo, pois pode se tratar apenas de uma informação com a qual não se concorde. Paradoxalmente, os que dizem combater a desinformação alegam que é para proteger direitos fundamentais. Ora, um dos direitos mais fundamentais é a liberdade de expressão.
O Supremo, a despeito da lição contida no voto de André Mendonça, vai dizer que o que o Legislativo decidiu, no artigo 19, é inconstitucional. Pode o STF redigir outro artigo? André Mendonça ensinou que só o Legislativo tem poder para redigir leis. E como responsabilizar as plataformas? Tornando-as censoras? Se alguém duvidar da Justiça Eleitoral, é crime? Mas não é crime nem duvidar de Deus – como lembrou André Mendonça. Ter a responsabilidade de censurar o que julgam mentira ou discurso de ódio? Se já é impossível identificar quem chama o juiz de ladrão num estádio lotado, será impossível tarefa humana fiscalizar bilhões de postagens diárias. Um robô vai decidir? A pedra angular da democracia e da humanidade, a liberdade de expressão, será entregue a uma máquina?
Orwell, no seu 1984, previa para aquele ano, em ficção, o totalitarismo mudando significados: “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”. No século seguinte, nos anos 2020, no Brasil se procura implantar novas verdades: manifestação popular é golpe; crítica é ato antidemocrático; opinião contrária é fake news; contrapor-se a uma feminista é misoginia, a um esquerdista é fascismo. E censura é liberdade.
https://revistaoeste.com/revista/edicao-272/censura-e-liberdade/ Adaptado