Texto 2: Ensinar ou Mediar a Leitura Literária?
Aparentemente, enquanto parte da formação do leitor na escola, as concepções de mediação da leitura literária e professor mediador encontram correspondência em conhecidas recomendações de estudiosos que trabalham com o ensino da literatura e letramento literário. Em primeiro lugar, a autonomia do leitor frente ao texto literário, tal como coloca Graça Paulino (2005, p.63) ao dizer que “a leitura literária deve ser processada com mais autonomia tendo os estudantes direito de seguir suas próprias vias de produção de sentidos, sem que estes deixem, por isso, de ser sociais”. Depois, a necessidade de o professor ser um leitor de literatura, como bem coloca Ana Maria Ribeiro Filipouski (2005, p.224): “Para [a leitura literária] ser desenvolvida na escola, é fundamental que os professores tenham construído previamente seu repertório de leitura literária, isto é, que sejam leitores de literatura”.
Também se argumenta que a formação do leitor é o objetivo maior do ensino da literatura, como faz Jacinto Prado Coelho (1976, p.58): “No meu entender, tanto no liceu como nas faculdades de letras às disciplinas literárias compete uma função mais formativa do que informativa; devem, acima de tudo, ensinar a ler e despertar nos alunos a fome da leitura”. Isso sem esquecer o encontro primeiro e essencial do aluno com a obra – “é fundamental que se coloque como centro das práticas literárias na escola a leitura efetiva dos textos, e não as informações das disciplinas que ajudam a construir essas leituras” (COSSON, 2006, p.23).
E há também um certo colocar-se em segundo plano por parte do professor, como aconselhava Lígia Chiappini Leite (1983, p.113) ao dizer que: “Nosso papel é muito simples e, ao mesmo tempo, porque estamos professoralmente viciados, muito difícil”. Ou seja, é um papel que “requer algo bastante sutil: uma presença meio ausente, e, no entanto, atuante; um apagar-se da figura do mestre que, muito embora, conduz o jogo; uma condução que se deixa conduzir”. Em síntese, como concluem Maria da Glória Bordini e Vera Aguiar (1988, p.17): “Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária, deve cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem aparelhada, na área da literatura, com bibliotecários que promovam o livro literário, professores leitores com boa fundamentação teórica e metodológica, programas de ensino que valorizem a literatura e, sobretudo, uma interação democrática e simétrica entre alunado e professor.”
Todavia, ainda que possa ser saudada como a efetivação de antigas demandas dos estudiosos da área de letramento literário, essa mediação da leitura literária parece recusar à escola a razão de sua existência, que é ser instituição de ensino, além de simplificar, para não dizer anular, a função de ensinar tradicionalmente dada ao professor. Frente a esse cenário, qual o lugar do professor em relação ao texto literário? Ensinar ou mediar a leitura literária?
Para responder a essa pergunta, precisamos desfazer e ir além da dicotomia que ela anuncia. Dessa forma, devemos, em primeiro lugar, recusar a polarização entre duas imagens de professor que pouco condiz com a realidade da prática da leitura literária na escola: a de um “professor escultor” e a de um “professor jardineiro”. Em ambas as posições, obviamente tomadas em seus extremos, o professor perde aquilo que é essencial à sua atuação em sala de aula que é o diálogo formador e autoformativo em que se envolve com o aluno, argumentam Tunes, Tacca e Bartholo (2005). Mais que isso, para esses autores, “ao se examinar o conceito de mediação fica evidente sua complicação e incompletude para se compreender o papel do professor”. Para eles “ainda que seja possível admitir-se o professor como mediador do conhecimento para o aluno, isso não esgotaria sua função, nem daria conta do que lhe é primordial”.
Daí que não se pode negar ao professor o lugar de conhecimento, planejamento e execução do ensinar que é próprio de sua atuação. Assim como não se pode advogar um ensino que ignore a condição de sujeito do aluno e o tipo de processo que é o ensinar e o aprender na sala de aula.
Adaptado de COSSON, Rildo. Prática da leitura literária na escola: mediação ou ensino? Nuances: estudos sobre educação, Presidente Prudente - SP, v.26, nº 3, set./dez.2015.