Texto 1
Saudades das más notícias
Notícias tristes, lamentáveis, humanamente pesadas. Mas nunca se tinha notícias tão trágicas e sinistras quanto a desta pandemia, cujo número de vítimas diárias faz chorar o próprio Todo Poderoso. Mais de 1.900 mortes num único dia é como se empilhássemos a queda de cinco Boeings destroçados contra uma montanha. Difícil para a sensibilidade da alma humana.
Lembro-me de um ano, em meio aos 1950 e 1960, em que houve apenas um – isso mesmo –, um assassinato na cidade. Um açougueiro usou suas habilidades de corte em um desafeto, que ficou em decúbito no chão do estabelecimento.
De manhã, havia uma fila, não para comprar a costumeira alcatra, mas para admirar o defunto. Era uma cidade gostosamente provinciana, em que se podia atravessar a rua lendo um jornal e dormir com portas e janelas abertas.
O panorama dos telhados limosos, do casario baixo, vizinho da Praça XV, tinha o dom de me remeter à velha Lisboa, com seus becos e ruelas de nomes pitorescos e sonantes, como Rua do Salitre, Rua da Alegria, Travessa do Quebra-Pentes, Beco do Arco Escuro, Rua dos Arameiros, Alameda do Amor Perfeito – e outras raridades tão bem “achadas”.
Para designar ruas e associá-las aos sentimentos, ou ao exercício das profissões, neste Brasil das más notícias, estaríamos obrigados a batizar a maioria das vias públicas com nomes infamantes, como “Rua dos Trampolineiros”, “Rua dos Mensaleiros”, “Alameda dos Petroleiros”, “Avenida dos Corruptos”, “Superquadra dos Corruptores”, “Largo dos Delatores” – ou, para um maior índice de “realismo” – “Calçada dos Doleiros”, sem falarmos no “Congresso dos mais de 300 Picaretas”, como um dia descreveu um antigo presidente.
Em Brasília, onde não há inocentes, só cúmplices – como escreveu Nelson Rodrigues – o país corre o sério risco de se transformar na “República dos Tristes Fados”. Parece que vão faltar lágrimas para o tanto que ainda teremos a lamentar. Ainda vamos sentir saudades das más notícias, que eram apenas más, nunca tragicamente tão incomuns.
Vamos sentir falta das sete pragas bíblicas do Egito, que incluíam rios de sangue e nuvens de gafanhotos. Teremos que rogar a Deus mais do que consolo e misericórdia. Teremos que pedir um grande milagre que salve a humanidade.
RAMOS, Sérgio da Costa. Disponível em: https://ndmais.com.br/ saude/sergio-da-costa-ramos-saudades-das-mas-noticias/. Acesso em: 15 de set 2025. Publicado em 06/03/21. Adaptado.
Leia a frase abaixo, extraída do texto 1: “Mas nunca se tinha notícias tão trágicas e sinistras quanto a desta pandemia, cujo número de vítimas diárias faz chorar o próprio Todo Poderoso.”
Assinale a alternativa correta sobre essa frase.