Atenção: Para responder a questão, baseie-se no texto seguinte.
O estranho ofício de escrever
Éramos três condenados a escrever uma crônica diária em jornal: Rubem Braga no Diário de Notícias, Paulo Mendes Campos no Diário Carioca e eu no O Jornal. Um dia, numa hora de aperto, o Rubem perdeu a cerimónia: - Será que você não teria aí uma crônica pequeninha para me emprestar? Procurei uma e lhe cedi uma que talvez servisse.
Tempos depois chegou a minha vez, e perguntei ao Rubem se não tinha uma crônica usada para servir este seu amigo. Pois não é que ele me passou a crônica que eu lhe havia cedido? Sou pobre, mas não sou soberbo. Ajeitei a crônica como pude, toquei-lhe uns remendos.
De toda crônica que publiquei na vida, houve sempre um leitor para achar que era a melhor e outro a pior que já escrevi. Nunca me esqueci do dia em que o Carlos Castelllo Branco me disse: - Eu, se fosse você, parava um pouco. Essa sua última crônica estava de amargar.
Parei dois anos por causa disso.
Quando recomecei, vez por outra recauchutava um escrito antigo, falta de coisa melhor. Até que chegou o dia em que no meu estoque não restava sendo uma, jamais republicada - justamente aquela que o Castellinho havia estigmatizado com seu implacável juízo critico. Pois não é que veio ele me dizer, efusivo, a propósito da mesmíssima crônica: - É das melhores coisas que você já escreveu.
Havia-se esquecido, o mandrião. E por causa dele eu passara dois anos no estaleiro.
Quando lhe acusei a contradição, ele não se perturbou: - Agora achei boa. Ou a crônica melhorou, ou eu é que piorei.
(Adaptado de: MASSI, Augusto (org.) SABINO, Fernando. Os sabiás da crônica. Belo Horizonte: Autêntica,2021, p.151-152)