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O homem vai indo ligeiro para a reunião decisiva. Se tudo der certo, sai candidato à Assembleia Legislativa. Para tanto, basta que o Peixoto se entenda com o Afonso e o Afonso não se desentenda com o Paulinho e o Paulinho concorde com o Beneval e o Beneval não discorde e o Gracindo não negue aquilo que o Albano pede e o Albano aceite aquilo que o Olegário impõe. Fácil, fácil, mais fácil que isto só roubar de cego ou de mulher velha. É sentar à mesa e acertar os ponteiros, vai pensando o homem. Mas o pensamento é bruscamente cortado por uma repórter de TV, que faz uma gravíssima pesquisa de opinião pública:
– O que é que o cavalheiro está achando do outono?
Espera aí. O sujeito está indo aflito pela rua, a caminho de um encontro partidário do qual pode sair praticamente deputado, e vem a mocinha indagar o que ele acha do outono! Terá por acaso ouvido isso mesmo?
– Sim, sim, o cavalheiro tem alguma opinião sobre o outono?
[…]
Então o homem decide. Vai falar, vai caprichar. O assunto é pequeno, mas vai falar. Acerta a garganta, arruma a gola da camisa, encara o olho na câmara, responde com voz funda, doutrinal:
– O outono? O outono, catarinenses, é um maravilhoso cataclisma. Um cataclisma primordial da natureza. Se eleito for, tudo farei na Assembleia pelo nosso outono. Obrigado.
À noite, ele se vê no noticiário. Olha para a mulher. Comovida, ela diz que é uma pena aqueles burros não decidirem nunca se ele sai ou não candidato: tem tanta presença, fala tão bonito.
CARDOZO, Flávio José. Compartilhado por meio de rede social. Fragmento adaptado. Out.2025.