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Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias. Em regra, hoje, nas redes sociais, onde a maior parte das pessoas compartilham seus álbuns, os retratos parecem mostrar pessoas rivalizando para ver quem aparenta aproveitar melhor a vida.
O hábito de sorrir nos retratos é recente. Os antigos retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Outra explicação para o fato é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.
Mas resta que nossos antepassados, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura, enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir escancaradamente.
É certo que o hábito de sorrir na fotografia se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.
De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes". Em suma, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.
De uma época em que nossa maneira e nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a um momento em que saber viver coincide com saber sorrir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: no passado valorizava-se uma atenção focada e reflexiva, enquanto hoje parecemos valorizar a diversão.
Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.
Tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado. Mas pesquisas mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação? Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que não temos competência para viver − apenas para fazer de conta. Como chegamos a isso?
(Adaptado de Contardo Calligaris. Folha de S. Paulo,28/06/2012)
Mas pesquisas mostram que, no caso da felicidade [...], acontece o contrário ...
O segmento em destaque exerce na frase acima a mesma função sintática que o segmento grifado em:
Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias. Em regra, hoje, nas redes sociais, onde a maior parte das pessoas compartilham seus álbuns, os retratos parecem mostrar pessoas rivalizando para ver quem aparenta aproveitar melhor a vida.
O hábito de sorrir nos retratos é recente. Os antigos retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Outra explicação para o fato é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.
Mas resta que nossos antepassados, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura, enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir escancaradamente.
É certo que o hábito de sorrir na fotografia se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.
De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes". Em suma, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.
De uma época em que nossa maneira e nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a um momento em que saber viver coincide com saber sorrir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: no passado valorizava-se uma atenção focada e reflexiva, enquanto hoje parecemos valorizar a diversão.
Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.
Tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado. Mas pesquisas mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação? Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que não temos competência para viver − apenas para fazer de conta. Como chegamos a isso?
(Adaptado de Contardo Calligaris. Folha de S. Paulo,28/06/2012)
Dialética da mudança
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.
No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que os questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo. Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com elas e com os valores. Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornouse frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. Introduziu-se o conceito não só de evolução como o de revolução.
Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu foi um processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras.
A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social. Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? Os fatos demonstram que tanto pode ser sim como não.
Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
(Transcrição de trechos do artigo de Ferreira Gullar. Folha de S. Paulo, E10 Ilustrada,6 de maio de 2012)
Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
O pronome grifado acima estaria corretamente empregado na lacuna da frase:
Dialética da mudança
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.
No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que os questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo. Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com elas e com os valores. Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornouse frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. Introduziu-se o conceito não só de evolução como o de revolução.
Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu foi um processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras.
A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social. Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? Os fatos demonstram que tanto pode ser sim como não.
Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
(Transcrição de trechos do artigo de Ferreira Gullar. Folha de S. Paulo, E10 Ilustrada,6 de maio de 2012)
... mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo.
O verbo flexionado nos mesmos tempo e modo em que se encontra o grifado acima está na frase:
Dialética da mudança
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las. É natural que isso aconteça, quando mais não seja porque as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.
No passado distante, quando os valores religiosos se impunham à quase totalidade das pessoas, poucos eram os que os questionavam, mesmo porque, dependendo da ocasião, pagavam com a vida seu inconformismo. Com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, aquelas certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com elas e com os valores. Questioná-los, reavaliá-los, negá-los, propor mudanças às vezes radicais tornouse frequente e inevitável, dando-se início a uma nova época da sociedade humana. Introduziu-se o conceito não só de evolução como o de revolução.
Naturalmente, essas mudanças não se deram do dia para a noite, nem tampouco se impuseram à maioria da sociedade. O que ocorreu foi um processo difícil e conflituado em que, pouco a pouco, a visão inovadora veio ganhando terreno e, mais do que isso, conquistando posições estratégicas, o que tornou possível influir na formação de novas gerações, menos resistentes a visões questionadoras.
A certa altura desse processo, os defensores das mudanças acreditavam-se senhores de novas verdades, mais consistentes porque eram fundadas no conhecimento objetivo das leis que governam o mundo material e social. Em outras palavras, bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Será isso verdade? Os fatos demonstram que tanto pode ser sim como não.
Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. Só que, em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los. E sabem por quê? Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, uma vez que, sem princípios e valores estabelecidos, seria impossível o convívio social. Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria caótica e, por isso mesmo, inviável.
(Transcrição de trechos do artigo de Ferreira Gullar. Folha de S. Paulo, E10 Ilustrada,6 de maio de 2012)
... não há alternativa senão defendê-los. (último parágrafo)
O termo grifado acima pode ser substituído, sem prejuízo da correção, da lógica e do sentido original, por: